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  • Foto do escritorGiovana Pereti

A naturalização do Prazer na formação sexual

Atualizado: 1 de abr. de 2021



Olá, eu sou a Giovana e esse é meu primeiro texto aqui pro Kirom. É também a primeira vez que escrevo uma coluna. Mas essa não será uma ilustração da "primeira vez". Ou talvez seja.


Fui convidada pela Paulinha para escrever sobre prazer e sexualidade uma vez por mês. Mas quem sou eu na fila do pão, pra ser agraciada com a honra e a responsabilidade desse convite, você leitore deve estar se perguntando. Não sou médica, terapeuta, doula, nem tenho qualquer formação na área da saúde.

Pois é, mas sou mulher trans e estou há 35 anos confundindo expectativas e superando as estatísticas, por isso meu lugar de vivência me permite contribuir com um olhar diferente para essa temática, e pretendo compartilhar com você alguns pensamentos com uma abordagem pouco convencional.


Agora eu te aconselho a passar um café ou chá pra tomar enquanto lê esse texto, porque vamos ter polêmica!


Aproveitando o gancho lá do início do texto sobre "primeira vez”, é bastante comum no início da adolescência, com o despertar sexual, que as pessoas comecem a se questionar, imaginar e até planejar como será sua primeira relação. Mas por que o tema “primeira vez” precisa ser tratado como um “big deal”? Por que não deixamos apenas rolar como algo natural que poderá acontecer e passar a fazer parte nosso cotidiano como: alimentar-se, fazer xixi e cocô, dormir, escovar os dentes e tomar banho?

Citei essas atividades porque, desde pequenes, muitas pessoas aprendem a realizá-las com o auxílio de pessoas adultas que se responsabilizam por sua educação. Aprendemos a nos alimentar, manusear talheres e até a preparar alimentos, com as pessoas que cuidam de nós.

Ainda hoje, me lembro de quando era criança e minha tia colocava só o caldinho de feijão no prato, deixando os grãos na panela, porque eu só gostava do caldinho. Ou quando minha mãe cortava ao meio uma maça e raspava sua polpa com uma colher de café me servindo na boca, mesmo quando eu já tinha dentes. E quando eu tomava banho com meu pai e ele dava orientações sobre como me lavar direitinho, dizendo coisas como “não esqueça de lavar o bumbum” e “lembre-se de lavar atrás das orelhas", e quando ele me ensinava a evitar que o shampoo escorresse para os meus olhos para não arder, ou quando ele cortava minhas unhas. Me lembro de ser ainda bem pequena, na hora de usar o papel higiênico depois de fazer cocô e eu perguntei “quando eu sei que o bumbum já está limpo?” e ele respondeu “quando você passar o papel e o papel continuar limpo”.

Esses momentos de cuidado diário, quando me ensinavam formas de me alimentar e práticas de higiene, eram também uma forma de eles praticarem seu amor por mim. E essas atividades diárias geralmente nos são ensinadas com naturalidade, bem diferente da forma como nossa sexualidade é tratada desde o início da nossa formação.


Porque, quando a pauta é sexualidade e prazer, a maioria das famílias se vale de duas abordagens básicas:

1. A tardia: quando deixa pra criança descobrir o tema com outras crianças, amigos ou primos que encontravam a revista com temática adulta na gaveta de cuecas do pai ou, mais atualmente, em sites de pornografia e até gifs enviados por WhatsApp;

2. A acadêmica: quando se deixa a sexualidade para ser “ensinada" na escola, onde geralmente é tratada apenas como prática de reprodução humana, limitando o prazer apenas a uma parte desse processo.

Quando meus pais tentaram abordar esse assunto comigo, eu já tinha idade para indicar uma lista de referências bibliográficas. Foi super constrangedor pra mim, até porque, àquela altura, eu já tentava lidar sozinha com questões bem mais complexas como identidade de gênero em uma época onde não havia muitas referências. Mas isso é tema para outra coluna.


Voltando à proposta de hoje, minha opinião é que, tão logo as crianças comecem a manifestar os primeiros sinais de curiosidade acerca do assunto, os pais ou as pessoas adultas responsáveis pela formação moral de cada criança, devem falar com cuidado, porém abertamente e com naturalidade sobre sexo e prazer.


Podemos, e devemos, explicar porque nossos genitais são considerados partes íntimas, que devemos cuidar da nossa intimidade, que é possível e natural encontrar prazer sozinho, que é possível e natural fazer sexo sem ter como único objetivo a procriação. E explicar também sobre as condutas que são esperadas de nós para uma existência harmônica em sociedade, sobre consentimento e respeito por si e pelo outro, porque não devemos nos tocar ou tocar nossas parceiras ou parceiros abertamente em público, e ajudar a criança a entender que ela deve respeitar os corpos e a sexualidade das outras pessoas, assim como o seu corpo e a sua sexualidade também devem ser respeitados.


Indo um pouco mais além, acho importante pensarmos sobre quais são as consequências dessa negligência com o prazer na formação sexual dos indivíduos. Para as mulheres, geralmente, é um enorme desperdício de tempo, porque demoramos muito mais do que os homens para nos descobrirmos sexualmente, para descobrirmos do que gostamos e, o mais importante, que podemos escolher o que é prazer para nós.


Costumo dizer que “sexo é igual pizza: até quando é ruim, é bom” - é claro que estou me referindo a sexo consensual, porque antes do sim, é estupro, não sexo. E depois do não e/ou enquanto não houver consentimento consciente, idem - mas, voltando à pizza: muitas vezes estamos tão acostumadas a comer pizza gelada do dia seguinte, que não sabemos como é uma pizza assada num forno a lenha e servida quente.

Se não temos margem para comparação, se não somos avisades que sexo é bom e, de novo, que nós podemos escolher o que é gostoso pra gente e o que não é, vamos achar que o que tem pra hoje é isso aí mesmo. E vamos seguir sentindo vergonha dos nossos corpos, da nossa sexualidade e do nosso prazer ou, indo para o extremo oposto, aceitando a hipersexualização dos corpos por uma cultura de consumo que propaga padrões inalcançáveis, nos tornando pessoas adultas frustradas cujo ponto fraco deveria ser na verdade nossa maior potência: A LIBIDO.

Por hoje é isso, pessoal.

Quem gostou curte, quem não gostou pode comentar aqui embaixo, ou me mandar um mail, pra esse papo virar uma discussão construtiva de ideias.


Pode também, compartilhar o link com "le amigue" que tá precisani se conhecer melhor pra encontrar prazer em si, com "le crush" que tá difícil de entender que pra transar direito tem que prestar atenção no seu corpinho também e não só ficar olhando o próprio corpo no espelho do motel pra ver se o crossfit já tá dando resultado, ou com aquele parente que vive criticando a liberdade alheia porque foi educade para não respeitar e valorizar as próprias vontades, enfim, com quem quiserem e sentirem que esse texto pode contribuir para libertar. Para o nosso próximo "encontro", pretendo abordar a temática da libido enquanto potência criativa e criadora. Mas, como até lá eu posso ter descoberto e colocado em prática uma nova teoria que mudou minha vida de novo, pode ser que o tema seja diferente.

E viu, eu aceito sugestões de temas nos comentários.

Ah, esqueci de falar que eu adoro conversar e nunca sei como encerrar um assunto, por isso eu abro vários pop ups ao mesmo tempo e o papo nunca acaba.

Então vou no clássico mesmo: Beijo e tchau :)

Com amor e tesão,

Giovana


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