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  • Foto do escritorRodrigo Falcão

Realismo Ingênuo

Atualizado: 16 de abr. de 2021



"O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são,

das coisas que não são, enquanto não são."

- Protágoras


O postulado de Protágoras, filósofo do séc V a.C., funda o relativismo, que prega a não-existência de verdades universais, mas a crença de que cada sujeito tem uma interpretação de tudo e, portanto, uma verdade, um ponto de vista e, a partir dele, constrói sua concepção de mundo.


Sócrates foi crítico dessa ideia, pois entendia que o relativismo trazia em si uma contradição interna: Se são verdadeiras todas as opiniões mantidas por qualquer pessoa, então também é preciso reconhecer a verdade da opinião daquele que discorda dessa pessoa. Assim, se qualquer opinião é verdadeira em si (pois o indivíduo é medida de todas as coisas), essa mesma opinião pode ser falsa (desde que alguém a considere falsa). Assim, haveria uma auto-refutação (ou uma autodestruição) do relativismo cognitivo.


Pois bem. Dois milênios e meio depois, cansado de passar os dias dentro de casa me protegendo da pandemia, eu decido me arriscar em uma caminhada pela Avenida Paulista. Saio para aproveitar o lindo dia de sol e respirar um pouco de ar quase puro, através da minha máscara. Ao chegar na avenida, sou surpreendido por uma carreata sem fim, com direito a trio-elétrico e fanáticos gritando: “A pandemia é uma invenção comunista”; “abaixo a vacina e o lockdown” e outros absurdos. Depois de alguns minutos ouvindo os grunhidos raivosos dos ignorantes, sinto saudade de casa e volto correndo para o conforto da minha quarentena. O que se passa com essas pessoas? Não são poucas. Negacionismo? Burrice? Histeria coletiva?


Embora eu não acredite em um ideal de verdade universal, também não me parece razoável conceber seja tudo relativo. O relativismo às últimas consequências pode ser perigosíssimo: Tem quem negue a existência do holocausto, ou do golpe militar no Brasil. Esse tipo de revisionismo significa apagar o aprendizado que tivemos com nossos erros enquanto humanidade. O mesmo processo de tentar apagar nossos passos pela história, tem se voltado contra os avanços científicos e acadêmicos acumulados pela civilização.


O método científico não traz resposta para todas as coisas. Como tratei em meu último texto "Só para Loucos", a ciência fracassou em sua pretensão de dividir pessoas entre sãs e loucas. Por outro lado, há alguns assuntos que o método científico abarca com precisão, sendo uma excelente forma de firmar fatos, ou, no mínimo, consenso de que algo é verdadeiro para uma sociedade. Costumava ser um fato comprovado, por exemplo, a Terra ser redonda.


Como explicar, em um mundo com tanto acesso a informação, esse comportamento infantil de negar as verdades já estabelecidas? Um termo que tem sido muito usado ultimamente para explicar o fenômeno das pessoas que negam a ciência, ou que acreditam em “fake news”, é o conceito de realismo ingênuo, que é a tendência que as pessoas têm em acreditar que sua percepção da realidade é a única visão precisa, e que as pessoas que discordam delas são necessariamente desinformadas, irracionais ou tendenciosas. O realismo ingênuo ajuda a explicar a polarização política: em vez de discordar de seus adversários as pessoas têm a tendência de difamá-los. É por isso também que algumas pessoas rapidamente rotulam qualquer relato que desafia sua visão de mundo como falso. Este fenômeno foi amplificado pelas redes sociais, visto que os algoritmos mostram apenas opiniões daqueles que concordam entre si, ou que permitem seja apedrejado o diferente.


Não há mais espaço para debates, somente para embates. E a discussão entre relativismo e verdade absoluta, ao que parece, persistirá pelos próximos milênios.










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