
Fonte imagem: https://cdcc.usp.br/ciencia/artigos
Marc Bloch foi um historiador, especialista em Idade Media na Faculdade de Paris, fundador da escola dos Annales na França e soldado na Primeira Guerra Mundial, da qual voltou vitorioso. Já casado e com filhos ele se alistou voluntariamente para servir o exército francês na Segunda Guerra, sendo capturado pelos nazistas. Durante o período que esteve na prisão escreveu o livro “ Apologia da História : ou o ofício do Historiador”, texto este que me colocou em contato com essa autor fantástico.
O livro é uma coleção de textos editados postumamente por seu filho, uma vez que o autor foi executado pelos nazistas antes que pudesse sequer terminar o que ficou sendo o último capítulo do livro. Sabendo desse contexto, o livro carrega todo uma atmosfera nostálgica, como se estivéssemos lendo mensagens antigos de um falecido ente querido. É impressionante a capacidade do autor de escrever sobre eventos históricos tão precisamente num ambiente de tamanho stress como uma prisão de guerra, sem acesso a nenhuma biblioteca para consulta ou colega para debater. Isso posto, o motivo de eu trazer esse texto aqui foram suas palavras tão precisas e que tanto me tocaram, sobre o que é o olhar do historiador. Fazendo um resumo bastante superficial, ele explora a ideia, na época bastante revolucionária, que o historiador não deve ser um observador passivo que organiza e cataloga dados por datas e as aglomera em épocas, mas um agente ativo na interpretação desses fatos, tentando entender o contexto das pessoas que compunham essa sociedade, entender quais fatores faziam parte do pensamento da época e sempre que possível, entender a vida cotidiana daquelas pessoas. Grandes fatos históricos, no fundo, só são o resultado da composição de pequenos fatos cotidianos aglomerados.
Trago essas ideias aqui, porque nesse contexto de “reagudização” da pandemia que estamos vivendo, penso em como o futuro irá nos retratar. Como nossos atos serão lembrados nos livros? Mais que isso, como os MEUS atos serão lembrados no futuro?
Será que os historiadores irão perdoar minha tentativa de mandar meu filho para escola? Será que vão ter a visão benevolente de entender como um impulso louco de uma mãe que protege a cria de um ambiente tóxico e anormal tentando criar uma redoma de normalidade aonde, na verdade, só há caos? Ou será que vão condenar a histeria coletiva de tentar, a todo custo, manter essa aparência de normalidade, quando na verdade tinha-se que agir como em períodos de guerra e exceção para tentar preservar a espécie?
No fundo, o que eu quero dizer é que agora, inseridos nesse contexto de horror, onde todo dia é o novo pior dia da pandemia, em que já demos a volta toda nesse calendário congelado e sem perspectiva de melhora, em que cada plantão é potencialmente mais triste e menos triste que o anterior, como podemos achar que conseguimos estar julgando adequadamente nossas atitudes? Como podemos achar que é possível o peixe enxergar a água que o cerca?
Tenho esses pensamentos constantemente quando me coloco nessa posição de templário da quarentena, alecrim dourado do bem coletivo. No final do dia, quando esses anos de pandemia e seus desdobramentos, virarem dois parágrafos no capítulo de “A historia do século 21” será que vai dar tempo de diferenciar quem quis levar o filho para escola de quem quis manter o comércio aberto pra não falir, de quem quis ir para festas pois a vida não pode parar? Eu, assim como cada um de nós, trago angústias muito particulares no peito nesses tempos, que eu não gostaria que fossem desconsideradas quando fossem estudar as ânsias que nos movem nesse momento, mas quem sou eu para exigir tamanho cuidado e regalia? Afinal, não se trata do meu Juízo Final com o julgamento das minhas ações pela eternidade, serão apenas dois parágrafos nos livros de história.
O questionamento é se não são no final das contas, a mesma coisa.
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