
Nesses dias de quarentena andei lembrando do mochilão que fiz sozinha em 2014.
Tempos de fronteiras e cabeça bem abertas… mas também tempos de bastante introspecção e solitude.
O celular só conectava no wifi, então meu maior companheiro era um ipod que estafei de músicas pra não ter que lidar em momento algum com o silêncio. Quebrou na minha segunda semana mochilando, e foi quando me percebi sozinha de fato.
Tem uma música que fala “music is my best friend”… e era mais ou menos assim.
Longas viagens de trem, ônibus e caminhadas — sem a minha melhor amiga. No início era desesperador encarar o barulho da minha mente. Mas lembro que com o tempo ele foi cessando, e era como se toda a bagunça tivesse encontrado o seu devido lugar a medida que eu lhe dava atenção.
Assim tem sido essa quarentena, pra mim e vejo que pra alguns a minha volta. A cada dia que passa, mais resignados e em paz com a própria companhia. E dando espaço pra viver sem culpa tudo o que a rotina frenética de trabalho e vida social não permitiam.
Tenho tido tempo pra começar a matar aquela lista infinita de filmes e séries, e tirar alguns livros da estante.
Tenho tido tempo pra colocar em dia o bronze, o funcional, aprofundar no yoga, e até treinar altinha e de quebra estreitar laços com meu irmão.
Com a ausência de deslocamento e maior disponibilidade, rolou agendar aquele papo que ficou pra depois pq as agendas nunca batiam…
E deu tempo de finalmente fazer acontecer aquele clube do livro que nunca era prioridade, e ainda criar um grupo novo pra discutir filmes e outro pra trocar textos e poesias de própria autoria.
Rolou tempo também pra dar espaço pro lado direito do cérebro funcionar… tirar o pó da viola, botar no papel algumas ideias, e até abrir uma caixa de pincéis e aquarelas que já tavam pra ressecar.
Por aqui o tédio e a insônia não chegaram nem perto.
Numa sociedade em que nos definimos e somos definidos com base no que fazemos, me sinto plena.
Mas como já dizia mestre Gil: “Eu preciso aprender a só ser”.
A me sentir acompanhada sem pessoas, música, livros ou internet.
A me preencher, mesmo no silêncio.
A contemplar a beleza do vazio.
A não sentir culpa no ócio.
A mais do que “ser só”, “só ser”.
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